domingo, 28 de outubro de 2012

E Jesus é agiota?


Quando criança eu imaginava Jesus como sendo um cara magro, de cabelos lisos, feição apaziguada, fala mansa, olhos verdes e sorriso no rosto. Ledo engano. Nesta quarta-feira um camarada, no ônibus, conseguiu descaracterizar a imagem que eu tinha de Jesus.
Explico o porquê. Eu vinha sentado, cansado, e de olhos fechados no ônibus. O dia tinha sido corrido. O rapaz sentado na cadeira atrás da minha estava pendurado no telefone há alguns minutos. Falava alto. Eu escutava tudo. Ele estava fazendo uma cobrança à pessoa que estava no outro lado da linha.
- Você ficou de resolver isso na semana passada; dizia.
Falava muito alto, mesmo. Aquilo começou a me incomodar. Virei o corpo e esguichei a cabeça para analisar a figura. Trajava um paletó e segurava uma bíblia. A essa altura gritava mais. Decidi mudar de lugar para tentar lhe observar sem chamar atenção. Agora,  na mesma fila de cadeiras, estava ele em uma janela e eu na outra.
- Tu tás pensando que eu sou otário, varão?
Parecia mais nervoso. Uma mão segurava o celular, a bíblia por sobre o colo, e a outra esmurrava a cadeira, entre gritos de repressão ao devedor. Eu não conseguia me controlar, não parava de fitar o cristão irado. Notou meu interesse pela sua conversa e baixou o tom da voz.
- Varão, quando chegar em casa ligo pra você. Você fica me enrolando, mas tome cuidado. Quando Jesus lhe pegar você vai ver, viu? Desligou.
Pronto. A partir desse momento só imagino Jesus como sendo um negão de dois metros de altura, bombado, Com a feição áspera e uma pistola Ponto40 na cintura.
Vacilei em perguntá-lo, temeroso, se Jesus é agiota, mas calei. Foi melhor.
Ontem, sábado, fui à uma mercearia, que fica próximo a minha casa, comprar umas cervejas. O dono do local, evangélico, é até muito educado. O Thiago Martins acha que ele é gay. Eu acho que não.
- Meu irmão, me dê dez ‘Skol’, por favor;  lhe disse.
Depois de procurar, no freezer:
- Oh, meu lindinho, só tenho cinco latões. Vai levar? Estou há cinco dias esperando o caminhão da Skol, acredita?
Acreditei. Disse-me mais:
- Estou orando pra que Jesus traga, logo, essas cervejas. não posso ficar sem vender!
Sorri, aliviado. voltei para casa com cinco cervejas e uma certeza. Jesus não é agiota, mas é o motorista do caminhão da Skol. UFA, confesso que desceu redondo!

-Gleison Nascimento-
28/10/2012

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Quando não se diz o que se queria dizer ou quando não se entende o que foi dito





Abri o facebook, entrei no grupo da minha turma: Letras Licenciatura Português 2012.1 e postei a respeito de um recital do qual participaria. O primeiro comentário postado foi o seguinte:

 “queria está presente. Mas escravo de minha vontade ou do não poder, o “queria” sua como algo bem distante...”.

Olhei para o texto e o reli. Não havia ninguém por perto. Eu, poeta e cronista, futuro professor de português e escritor, dotado de grande inteligência lingüística, falei para mim mesmo: entendi! Mas acho que “mim mesmo” não entendeu. Eu o ameacei dizendo que ele seria ridicularizado caso descobrissem. Ele se calou. Compactuamos. Ocultamos o nosso crime. Só nós dois sabíamos do acontecido. Não conversamos mais sobre isso. Evitamos tocar no assunto. Escrevi alguns risos na próxima caixa de comentário: huauahua. E pronto! Continuamos nossas vidas como se nada tivesse acontecido. Muitas pessoas curtiram a postagem, mas só havia dois comentários nela: a frase que o leitor leu lá em cima e o meu “huahuahuahua”. Eu e “mim mesmo” ficamos apreensivos. Ninguém mais havia achado graça?  Todo mundo tinha entendido? “Mim mesmo” quis rasgar os poemas, excluir o blog e admitir nosso fracasso lingüístico, mas fomos salvos pelo destino. A data do recital estava errada. Voltei para a postagem e fiz a correção. Depois disso, dois comentários se seguiram, a respeito do assunto da postagem. O terceiro comentário foi a nossa salvação. Segue:

“Jansuely Nascimento: Por que Julio não comenta como uma pessoa normal, hein?”

Ri absurdamente. Fiquei aliviado. Rimos litros. Eu, Jansuely, Claudia e Caio. Começamos uma aventura lingüística através da declaração “Julística” citada acima. Onde se vê “sua”, leia-se “soa”, caro leitor. Essa foi fácil. Essa foi facílima. Todo mundo troca uma letra por outra na hora de digitar, não é? Segundo Claudia, a questão não era ortográfica. Era mais além... E foi! Nossa aventura foi animadíssima. Passeamos pelo sentido das frases tentando descobrir se ele iria ou não para o evento. Eu, particularmente, gostaria de saber se o Julio vai poder me assistir no recital. Ou se ele quer. Ou se queria. Aprecio muito sua companhia e não gostaria que um enunciado nos separasse... Se alguém souber se ele vai ou não, favor me avise. Nos avise. Estamos ansiosos para desvendar esse mistério, porque nem sempre é fácil dizer ou escrever o que se quer, ou se entender o que está sendo dito, da maneira como os outros gostariam que entendêssemos. Entendeu, leitor? Parece que quanto mais aprendemos a usar a língua, mais difícil se torna dizer com exatidão o que pretendemos. Convenci a “mim mesmo” disso e ele se arrependeu de ter arquitetado o nosso fracasso. Percebi que a linguagem é fascinante e complexa. Que nós, que a estudamos, somos loucos por termos trocado a exatidão dos números por ela. É que nós a amamos, com todos os defeitos e chatices que só ela tem. É um amor bandido. O Julio é como cada um de nós, que não comentamos nada como uma pessoa normal. Descobri que é normal não entender algumas coisas, algumas vezes e que é até gostoso a busca por tentar entendê-las. Me sinto melhor agora... Recital no dia 27/11/2012. Julio, meu amigo, vamos ou não vamos?

-Danillo Melo-
19/10/2012

terça-feira, 9 de outubro de 2012

E paquêqueuquéromais?




Você percebeu que nós, brasileiros, temos a mania de não querer sair perdendo? Pois é, saímos perdendo sempre mais!
Thiago Martins um dia desses me chegou como quem acabara de conceber um filho, me dizendo em tom altivo e com os olhos brilhando pela sacada, que acabara de ter:
- Nascimento, já percebeu que brasileiro mesmo quando sai perdendo, quer sair ganhando?
Rimos. Tecemos alguns comentários maldosos e rimos mais. Tem total razão, meu amigo, em dizer isso. Infelizmente!
Acabamos de passar pelas eleições municipais e eu tive alguns exemplos desse relato. Muita gente recebeu dinheiro para votar em um candidato X. Isso já é deplorável, não? E se eu lhe disser que a maioria dessas pessoas também recebeu dinheiro para votar no candidato Y. No candidato A e no candidato B, também... A lista é grande,faltaria alfabeto. Talvez por isso é que sobre analfabeto nesse país!
A rapaziada saiu com o bolso cheio. Os candidatos abriram os cofres e o povo não abriu o olho, ainda.
Quando questionei, um desses eleitores espertos (?), sobre a procedência do dinheiro ganho, ele me olhou nos olhos e disse em tom jocoso:
- Esses filhos da puta me roubam durante quatro anos. Vou roubar deles quando posso!
E gargalhou. Eu também ri, não com ele, mas dele.
O que mais me chamou a atenção é que esse donzelo se sente muito esperto. Está sendo enrabado pelo poder público e nem sente. Já está folote!
Não me contive em instigá-lo.
- Pegasse dinheiro de quantos?
- Quatro candidatos. Vou votar no que me pagou mais, por enquanto é o X. 30 contos, pelo voto!
- Porra, massa. No total, quanto?
- 120 contos. Já é a farra da semana.
- esses caras são uns fuleiros. Instiguei novamente.
- Que nada. Pagou, eu acho bom.
-Pagam hoje. Somem amanhã!
- Somem não, cara. Disse. Tem tal vereador, mesmo, aqui do bairro que dá leite pra comunidade. Dá dentista. É só deixar o número do título de eleitor no comitê. Ainda tem o ‘bolsa família’, que o governo dá.
- Isso é o básico, meu véi.
- Tem uns que não fazem nada. Ele pelo menos faz!
- Você ta se contentando com pouco, meu irmão. Bolsa família, dentista e 120 reais, são somente meios de arrancar votos dos bestas. É pouco.
- Oxen. E paquêqueuquéromais?
Calei e dei razão ao Thiago.
Os representantes do povo são o espelho do próprio povo.
 Minto eu...
Os representantes são bastante espertos e o povo é manipulável. Manipulado!
Depois de eleito prefeito do Recife, Geraldo Júlio abraçou o Eduardo Campos que lhe falou, aliviado:
- Passou perto do segundo turno, hem companheiro? 51,15%.
Deve ter respondido, Geraldo, de sorriso aberto:
- E paquêqueuquéromais?


-Gleison Nascimento-
10/10/2012

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Amor à segunda vista



Eu sei. Isso é título de comédia romântica. Mas não achei outro melhor. Na verdade, eu acho que esse é o título ideal...
O amor soa como música. Algumas te conquistam de cara, assim que você as ouve. Outras levam algum tempo, pouco tempo, para conquistar o seu coração. O amor é assim. Acontece mais à segunda vista que à primeira vista. Acredito nos dois, mas acredito mais no segundo. As músicas nos encantam com facilidade, à primeira vista, mas elas se tornam parte do nosso repertório pessoal com o tempo, depois que a letra e o espírito criam raízes em nosso coração. É quando surge a afinidade, a empatia e por fim, a conquista. Por um ou vários motivos especiais, as músicas que se tornam nossas nos acompanham por muito ou todo o tempo. É assim com as pessoas. O amor não é uma coisa que nasce do nada, porque nada nasce do nada. O amor se constrói e nos constrói. Ele é aliado do tempo. É resultado do simples interesse ou atração. É fruto da interação. É filho da combinação dos interesses altruístas e egoístas que regem muitas das nossas ações. É o produto da equação do dar o seu melhor e receber exatamente o melhor do outro em troca. É o lugar onde alcançamos a capacidade de nos preocupar com alguém mais do que com nós mesmos e onde saciamos a necessidade de sermos a pessoa mais importante para alguém. O amor é a música cuja letra compreendemos mais tarde e cuja melodia passou a nos soar mais doce e mais saborosa. O amor é a descoberta do sentido nas coisas que nós fazemos todos os dias e que parecem não ter sentido. O amor é a oportunidade de nos sentirmos menos máquinas nesse mundo artificial do qual somos parte. É ser feliz mesmo sendo triste ou sentindo saudade, algumas vezes. Tem tanto de divino e tanto de humano que é absurdamente normal e absolutamente extraordinário. É a canção mais bela que a nossa fraca existência compõe. É quando encontramos as notas que se combinam com perfeição e harmonia nos braços e trastes da nossa vida. O amor é transcendental, como a boa música...
Assim, à segunda vista, começo a achar que o título dessa crônica poderia ser outro. Por favor, caro leitor, suba algumas linhas, mude o título e leia o texto novamente:

             Amor à segunda vista                                                      Eu amo a música!

Talvez você se apaixone...

-Danillo Melo-
 08/10/2012