segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Agressão aos animais


Ele estava lá, sentado na escuridão das calçadas na saída de um beco que dá na rua da alfândega, ao lado do estacionamento da livraria cultura. Eu vinha caminhando da rua da moeda, me dirigindo ao cais de santa Rita onde eu pegaria o ônibus para voltar à minha casa onde um delicioso misto quente com pão dormido me esperava.
Entrei justamente no beco onde o delinquente estava sentado. Agora era eu em uma extremidade do beco caminhando à outra extremidade, onde ele estava. Bastou entrar no beco e o marginal começou latir. Pensei que era apenas para aparecer, afinal de contas cão que ladra não morde, não é? Caminhando passei por ele que agora rosnava como a Polícia Militar em protestos da classe estudantil.
Eu já estava atravessando a rua da alfândega quando se deu a cena de agressão a um animal. Eu caminhava sem olhar para trás por não ter me importado tanto com as ameaças no beco, olhava mesmo era se tinha alguém suspeito na ponte por onde eu teria de passar para chegar ao cais. Não se pode vacilar nas ruas do recife à 01:20H da manhã. Eu ouvi os latido ficarem cada vez mais perto e nem, sequer, suspeitei que ali seria a cena de um crime.
Os latidos iam aumentando de volume. O animal parecia mais perto. Um crime estava para acontecer e eu não tinha noção do perigo que estava correndo. Ouvi, de repente, os latidos pararem e senti uma fisgada no pé esquerdo. O cachorro me mordera, saíra correndo como um covarde e ficara no outro lado da rua, ainda latindo em minha direção. A raiva veio à cabeça. Como se agride alguém assim, sem motivos? E os direitos que me cabem, onde ficam? Acho que ele nunca ouviu falar de direitos humanos... Depois os ativistas da ‘Dogs Liberation Front’ dizem que somos nós, humanos, os animais. Não compreendo!

-Gleison Nascimento-
21/01/2013

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Em cima do muro

Rua humilde. Casas humildes. Silêncio. Um ou dois moradores, ao longe, indiferentes a quase tudo. Ele e os garotos trajavam roupas simples, do tipo " as primeiras que encontrei no guarda-roupas". Os garotos tinham entre 8 e 10 anos. Ele, mais de 20. Era negro. Pequeno. Cabelo desarrumado. Parecia um adolescente. Tinham uma escada. Era uma escada de madeira, comprida, daquelas feitas em casa mesmo. Ele olhou para um lado e para o outro, desconfiado. Tirou as sandálias, levantou a escada e a encostou no muro. Era um muro recém-erguido. Cheirava ainda a cimento. Sentou-se no muro e olhou ao redor, mais desconfiado que antes. Os garotos assistiam tudo. Do outro lado era assim: um quintal e três casas. A primeira delas, ficava do lado direito do portão. Tinha um outro muro recém-erguido perpendicularmente ao principal. As outras casas ficavam mais longe, para dentro da propriedade. Aparentemente, não havia ninguém em nehuma delas. "Nem pessoas, nem cachorro", pensara ele. Agora vinha a parte mais difícil: passar a escada pro outro lado. Começou a puxar, com um razoável esforço, a escada para si. Era uma manobra perigosa e difícil. Fazia barulho. Chamava a atenção. Sentiu medo e vergonha. Olhava para todos lados, assustado. Para as pessoas que o viam, ao longe, fazia cara de abestalhado. A escada raspou no muro, na telha e no corpo. Fazia barulho. Conseguiu colocar a escada do outro lado, dentro do quintal, encostada no muro. Começou a mexer com certa ansiedade na posição da escada. Estava incomodado. A escada caiu. Na rua, assistindo tudo, estavam os dois garotos que o acompanhavam e mais uns três ou quatro de menor idade que tinham se aproximado. 

" Ei, fera, pega a bola aí em cima..." - disse um deles.

"Bola?!..Num tem bola nenhuma aqui em cima, não" - respondeu, olhando para o telhado da casa.

Quando se voltava para continuar a luta com a escada foi pego no flagra. Ficou amedrontado.

"Ei! Num suba aí, nao! Desça daí, vá!"

Um vasculhante se abrira. Era uma mulher. Ele ficou em cima do muro. Não sabia se mentia ou se contava a verdade, porque a verdade com certeza pareceria mentira e talvez a mentira se sairía melhor como verdade. Não mentiu.

"Ô, moça desculpe, viu?! É que eu sou vizinho da esposa do André e vim entregar a escada que ele tinha emprestado...Aí cheguei aqui e num tinha ninguém....e essa escada é muito pesada pra voltar com ela...aí eu pensei em colocar ela aqui dentro, entendeu?!"

Ela fez que sim com a cabeça.

" A senhora avisa pra ele quando ele chegar? Tá aqui no cantinho, viu?! Desculpe..."

Aí ele desce do muro, desconcertado e de fininho, arranhado e envergonhado... com cara de mais abestalhado que antes. Porque ficar em cima do muro não é legal. Muito menos no muro alheio...


-Danillo Melo-
 16/01/2012


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Minha doença mental


Venho por meio desta crônica informar aos amigos que sou portador de uma deficiência mental cujos sintomas passaram a me incomodar há cerca de três meses. A disfunção ótica colomemorial é uma doença bastante comum em homens de qualquer idade. Popularmente conhecida como memória daltônica esta doença vem, desde que o mundo é mundo, acabando com a paz de relacionamentos alheios.
- Meu bem, lembra da roupa que eu estava quando nos encontramos pela primeira vez?
- Claro, meu bem... Não tem como esquecer aquela saia branca que desenha, como nenhuma outra, as curvas do teu corpo, neguinha.
- A saia era branca, nego.
- Jura?
-...
- Mas era saia! (Puta merda.)
-e a blusa, lembra?
- Claro, neguinha, aquela tua blusa de tricô, amarela...
- Era branca, Gleison. E aquilo não é tricô, é renda.
- Tem certeza, nega? Juro que vi amarelo...
- Devia estar olhando pra outra mulher, então... Porque a minha blusa era branca.
- Me desculpa, meu bem...
 Este sujeito merece desculpas. É vitimado pela incompetência de sua mente tão pequena. Que outra explicação, que não seja demência, se pode dar à esta incapacidade? Que explica um sujeito não conseguir lembrar a cor da roupa da mulher que lhe faz tanto bem? Mulher, esta, que este sujeito passa os dias e as noites a admirar... Problemas mentais... Só pode.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Presente de natal.



O pequeno Antônio Carlos sentou-se ao lado do pai onde passou a tarde inteira assistindo TV.              Logo ele que, elétrico, nunca assistira TV por mais de meia hora... O pai desconfiou.
- O que tu queres, Toni? Anda, desembucha!
- Ééé... Papai... ééé... Promete uma coisa, antes?
- Prometer?
- É, papai... Prometer.
- Prometer o que, filho?
Com os olhos esbugalhados e a voz de sussuro, Antônio faz a proposta.
- Promete que não vai falar nada pra a mamãe?
- É o que, menino? Diz logo, qual a causa de tanto segredo?
- Promete?
-Ai, meu Deus, Toninho. Olha lá, moleque! Tudo bem, vai... Prometo! (Dedos cruzados)
- Papai, a mamãe me falou pra que eu não pedisse presente de natal para o senhor... Falou que o senhor entrou no emprego agora e que está apertado, no momento. Eu juro que tentei não pedir, mas é que eu quero muito um Playstation3 e eu não sei se meus outros papais vão ter grana...
- outros papais, Toni?
- Sim. Os outros papais, papai!
- No plural?
- Mais de um!
- Mais de um?
- Na verdade são dois, além do senhor.
- Conversa mole, menino... Agora deu pra arranjar pai na rua, foi?
- É sério papai... um deles até conseguiu emprego para o senhor!
- Cardoso... Filho da puta. Por isso fez tanta questão de me empregar... Canalha! Pensou alto. Quem te pôs essa idéia na cabeça, filho?
- A mamãe, ué. Todo dia, antes de dormir, ela me põe pra falar com ele.
 As lágrimas desceram.
- O que foi, papai? Fica triste, não. A mamãe sempre fala do senhor para ele. Nunca se esquece de pedir para o senhor crescer na empresa, para as coisas melhorarem aqui em casa. Digo isso porque escuto!
- Tudo bem, filho... Você já os encontrou muitas vezes?
- Na verdade eu nunca encontrei com eles, papai. Nenhum dos dois. A mamãe diz para eu ter paciência que, quem sabe, um dia posso conhecer algum deles.
- Fale mais sobre o segundo papai, meu amor...
- Ah, mal o conheço. Uma vez, por ano, a mamãe me ajuda a escrever uma carta para ele.
- E ele?
-  Nunca respondeu!
- Nunca?
- Não. Ele me traz um presente no natal, mas nem sequer aparece. Entrega a mamãe e ela põe ao lado da minha cama, para me fazer uma surpresa... Todo ano a mesma coisa, mas o senhor vai me dar o Playstation ou não, papai?
- Vai pro teu quarto, filhão. Conversamos sobre o videogame outra hora. Agora o papai precisa conversar com a mamãe, ta bom?
Dos momentos seguintes não se faz necessário um relato muito extenso. O Antônio Carlos ficara em seu quarto o resto do dia e, provavelmente, ouvira tudo o que foi gritado por seus pais, na sala. Entre gritos e lágrimas se findara, naquele início de noite, mais um casamento e nascera mais um filho de pais separados.
Quando o pai do pequeno Antônio Carlos adentrara em seu quarto, encontrara o filho ajoelhado aos pés da cama, de olhos fechados e lágrimas constantes.  O menino nem, sequer, olhou para trás quando recebera um beijo na cabeça e ouvira seu pai dizer que estava indo embora, bater a porta e sair pelo mundo.
- Papai do céu, avisa pra o papai Noel que não quero mais um Playstation 3. Eu só quero que vocês façam meu papai voltar pra casa... Prometo que pra o resto da vida, não peço mais nenhum presente...

- Gleison Nascimento-
12/01/2012

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Caritó


Quando completei 8 anos minha mãe começou a varrer meus pés. Era obvio, eu
estava virando mocinha e o futuro era inevitável: crescer, casar e sair de casa. Eu ainda
brincava de boneca e minha mãe já pensava nisto tudo. Filha, você jura que nunca vai
me abandonar? Juro mamãe. Jura por Deus? Juro por Deus. Nem sabia direito quem
era esse tal de Deus, o que ele fazia, onde ele morava e porque as pessoas tinham que
jurar por ele sempre que algo era importante.
O ritual era diário. Varria a sala e dizia pra eu juntar os pés que ela ia varrer para tirar a
poeira. Hoje eu sei que o ritual de varrer os pés tinha outro significado. O varrer os pés
era sinal de mau agouro para moças que sonhavam em casar.
Certo dia decidi que não queria mais juntar meus pés. Ela enlouqueceu. Sua loucura
aparente me despertou para a vida. Eu já estava com 13 anos. Dei o primeiro beijo.
O primeiro de muitos. Nunca mais meus pés foram varridos. Minha mãe sim, ficou
louca varrida tentando varrer os pés das crianças da rua. E eu, ah fui varrer o mundo
com a vassoura do corpo. Esguia, reta como piaçava chamei a atenção dos faxineiros e
diaristas dos metros.

-Susana Morais-
03/01/2013