terça-feira, 21 de outubro de 2014

Meu pé de jambo

Pequeno, mas imponente. Parece contradição a fusão de tais termos, mas ele era realmente assim. Meu pé de jambo, pequenino, um pouco mais alto que o pé direito da casa, se erguia querendo ser grande, mas com o tempo foi sendo ultrapassado pelas construções ao redor, cada vez maiores e constantes. Mas era imponente quando frutificava. Parece ser coisa da natureza, essa, de ser bela quando se reproduz. Ele era assim. Havia centenas de filetes rosados que ornamentavam a árvore inteira, distribuídas entre o verde das folhas. Outros desses mesmos filetes cobriam o chão de rosa como um imenso tapete. O fruto, era de um roxo forte, por vezes metálico, que enchia de água a boca e de brilho os olhos. Não havia quem passasse e não desejasse, ou não chegasse a pedir ou até se aventurasse a pegar sem pedir mesmo, aqueles frutos deliciosos. No "tempo do jambo" eu me pendurava nos galhos com uma sacola na mão e ia colhendo aqueles frutos que pareciam ser oriundos de uma árvore duas vezes maior que aquela. Saboreava-os até me fartar. Os da casa e os da rua também. Tinha pra todo mundo. À noite, quando eu era criança, usávamos a árvore para nos esconder durante a brincadeira de garrafão. Nem temíamos os morcegos, que por lá jantavam quando a noite caía. Eu sonhava até em fazer uma casa naquela árvore, coisa que nunca fiz e nem acho que seria possível, mas vivi tanto nela que saciei ao meu modo esse desejo de criança. Com o tempo, as casas e os prédios foram crescendo e minha árvore foi se tornando cada vez menor. Eu também fui crescendo e me tornando cada vez mais ocupado e atarefado. Não mais a contemplava como antes. Já não queria subir para arrancar com as mãos os frutos deliciosos que ela carregava. Com o tempo, já não olhava para cima à procura do que saborear, nem para baixo, para observar as flores rosas que revestiam o chão do quintal. Tornei-me ocupado, moderno, proletário. Nem conseguia vê-la mais lá. Um dia, quando voltava do trabalho, percebi que a casa estava em obras. Encheram de cerâmica todo o chão do meu jardim, levantaram um muro e um portão imponentes na frente da minha casa e arrancaram meu pé de jambo do meio do terreno. Passei pela bagunça, rapidamente, com um olhar curioso, mas sem afobação e entrei no meu quarto. Nem sequer olhei para trás, para contemplar o espaço vazio que havia em meu jardim, onde antes meu pé de jambo se erguia, pequeno, mas imponente. Tudo se tornou diferente: os moradores, a rua, as casas, os prédios ao redor. Já não os conheço tão bem e nem os dou tanta atenção. Todos passaram, como meu pé de jambo e como eu, um dia. Meses depois, numa conversa qualquer, um amigo lembrou-me de uma árvore que eu tinha em frente a minha casa. " Era um pé de manga, nao era?" Achei graça e respondi sorrindo: "Não, era um pé de jambo". Depois disso, fui visitado por uma nostalgia triste que me perturbou até o momento desta crônica. Lembrei-me dele. Do meu pé de jambo. De tudo que ele representa pra mim e de como tinha sido tão seca e abrupta, tão sem respeito e sem despedida a ocasião de sua partida. Só ele me fez ver a passagem do tempo, a perda das horas, as mudanças na vida, o progresso, a modernidade. Senti vergonha e enchi-me de medo... vergonha pelo que fiz (e fui) e medo de um dia, nessa vida, ser eu, como ele e serem os outros, como eu...

Danillo Melo
21/10/2014