sábado, 29 de dezembro de 2012

SAC (Serviço de Atendimento do Céu)

Sábado, 22 de Dezembro de 2012 - 12:00hs

Telefone chamando...

Atendente virtual: "Bom dia! Seja bem-vindo ao céu. Estamos ao céu dispor. Não deixe de conferir as nossas promoções de fim de ano para nascimento e morte no seu país... Para promoções relativas a nascimento ou morte, tecle 1. Problemas com o casamento ou os filhos, tecle 2. Doenças a serem curadas, tecle 3. Para informar pagamento de promessa, tecle 4. Se você quiser informar perda ou roubo de bençãos garantidas, favor, tecle 5. Negociação de dívidas de promessas não pagas, tecle 6. Para solicitar maldições sobre um lugar ou pessoa, tecle 7. Para perguntas sem respostas, tecle o número 8. Para retornar ao menu principal tecle 0. E tecle 9 para falar com um dos nossos atendentes..."... "Nove. A opção escolhida foi para falar com um dos nossos atendentes. Por favor, aguarde. Estamos direcionando a sua ligação para um dos nossos atendentes e informamos que esta ligação está sendo gravada.

Música de fundo: 
"Meu amor, me diz o que você faria se só se restasse esse dia? Se o mundo fosse acabar, me diz, o que você faria?..."

10 minutos depois...

- Isquemael, bom dia! Com quem eu falo?
- Com João.
- Senhor João, em que posso ajudá-lo?
- Minha filha...meu filho...é...
-Anjo não tem sexo, senhor.
-Apois, seu anjo...dernede sexta-feria que o mundo tá pra se acabar num se acabou ainda.
- Hum...entendo, senhor.
- Ói...eu quero que vocês tome uma providência...
-Sim, senhor...será que eu poderia confirmar alguns dados?
- Pois pergunte...
-Qual sua galáxia, senhor?
- Ga o quê...??...eu num sei que danado é isso não, viu...e num gostei desse nome!
- Senhor, sem essa informação eu não poderei prosseguir com o atendimento..
-Eita...esse negócio tá na identidade é?
-Não, senhor.
-Eu num sei ler não, minha filha...meu filho...mas se for um número eu digo!
-Não, senhor, não é um número.
-Intão é o que é que é?
-É a sua localização no universo.
-Rapaz...eu num sei onde esse negóço se localiza não...e olhe que eu tenho 104 ano e já andei em tudo quanto é lugar nesse mundo e nunca vi esse negóço cum esse nome aí....
- Senhor...eu vou ajudar você rastreando a sua galáxia em nosso sistema...Qual o nome do seu planeta?
- Meu pai!! Você parece que mora em outro planeta né?! A gente num mora na terra, criatura?! Nem eu que num sei lê, sei isso!
-Hum...Planeta terra. Achamos. Sua galáxia é a Via Láctea.
-Pronto. Achou. Esses negócio de computador resolver tudo hoje em dia, né?!
-Senhor, a terra não é do nosso setor. Vou transferir sua ligação para o setor responsável. ok?!
-Passe meu anjo...passe. Já devia ter passado em vez de ficar perdendo tempo perguntado besteira!
-Só um minutinho enquanto eu transfiro a ligação...

Música de fundo:
"Acabei com tudo. Escapei com vida..."

-Abimael, boa tarde! Em que posso ajudá-lo?!
-Boa tarde...o seu nome é igualzinho ao do outro, é?!
-Não, senhor. Eu sou o único desse prédio. Em que posso ajudá-lo?
- Então, seu anjo..o mundo tava pra se acabar ontem e já é meio-dia e nada, rapaz!!
-Sim. Entendo, senhor. Posso confirmar alguns dados?
-Vixi Maria!! De novo!! Mas num me venha com aquele nome esquisito de novo não, por favor!
-Ok, senhor.Planeta terra. O senhor poderia me dizer a idade?
-104 anos...seco que nem o chão do sertão, mas novo que nem uma flor de mandacaru...
-Não, senhor. Pergunto a idade do planeta.
-Mai é cada uma!!A idade do planeta?! Cês tão pensano que eu sou Matusalém, é? Cento e quatro é cento e quatro num é novecentos, nao! Nunca vi o mundo nascer nem fazer aniversário pra saber quantos anos ele tem!Oxee....
-Certo, senhor. Vamos tentar outros dados para conseguir fechar o preenchimento da ficha no sistema.
-Vá...diga!
-Esse planeta já foi destruído?
-Claro! Foi uma enchente forte da gota. A senhora ou o senhor...sei lá....num viu isso na Bíblia não , foi? Tá escrito lá a história de Noé e da cheia.
-Sim, senhor. Já ouvi, sim. O senhor Noé é chefe do setor de maldições e castigos, que fica aqui do lado.
-Apois aproveite e diga a ela que num teve precisão de botar pernilongo, barata, cupim, carrapato, timbu. mutuca, maruim e esses bicho tudo assim no barco,não!
-Senhor, desculpe interromper, mas o senhor quer a resolução dos problemas?
-Resolva, resolva. Mas dernede que eu liguei que vocês só pergunta, pergunta, pergunta...
-A escravidão já passou por aí?
-Passou.Ainda bem que foi embora e eu espero que num volte nunca mais, porque eu sou nêgo e véio e com cento e quatro anos eu num aguento ficar levando chibatada, nao!
-Muitos genocídios?
-Rapaz, eu num sei quem é esse não...é de Cabrobó, é? Lá é que tem uns nome esquisito assim...Já sei, isso num é nome de gente! Então é doença...só pode ser!
-Não senhor. Nenhum dos dois. Deixe-me ver...Tem acontecido muitas guerras no seu mundo?
-Oxeee...o que mais tem aqui é guerra! Quebraram a TV de vocês aí, foi? Nunca ouvisse falar nos "Isteites", não? O famoso "Estadu Zunido"? É guerra pra tudo quanto é lado. É perto de um tal de Iraque, onde só tem morte também...No mundo se mata gente que nem mosquito.
-Certo. Senhor, qual é o seu país?
-Brasil, seu anjo.
-Ok. Brasil. Já acrescentei todos os dados no sistema e vou abrir uma ordem de serviço e dentro de alguns minutos eu transfiro sua ligação para o senhor agendar uma visita técnica ao Brasil, está bem?!
-Rapaz...que demora da bexiga é essa, homi?! Assim num dá, não! Depois de ficar conversando miolo de pote o dia todinho vocês ainda quer me passar pra outro anjo com o mermo nome pra começar tudo de novo??
-Senhor, esse é o procedimento padrão.
-Num tem esse negócio de padrão, não! Jogue logo um monte de bomba anatômica e exploda esse negócio, vá! Eu vou ter que botar vocês na justiça, é? Vou procurar um adevogado e processar vocês por calúnia, defamação e danos imorais, porque a pessoa já tá veía e fica passando por essas coisas...
-Calma, senhor. Vou resolver uma etapa pro senhor, viu?! Vou abrir daqui mesmo, do meu terminal, um chamado para uma visita técnica e dentro de 24 horas dois anjos técnicos estarão visitando o seu país para descobrir qual é o problema. Informamos que, caso o problema não seja nosso, será cobrada uma taxa de visita improdutiva.
- Certo...mas acabe com o mundo tudo, porque se acabar só com o Brasil é mermo que queijo, porque o povo desse mundo aqui se multiplica que nem preá!
-Senhor, a destruição dos outros países depende das exigências dos nossos clientes desses respectivos países.
-Tá certo.
-Depois de passadas as 24 horas o senhor pode nos retornar a ligação. Lembramos que os anjos técnicos são invisíveis e a presença deles não será notada durante a visita.
-Poxa...e eu doido pra saber se eles tem cara de homem ou de mulher...
-O CÉU agradece a sua ligação...Tenha uma boa tarde!

Dia 24 de Dezembro de 2012 - 08:00hs

Ligação...Atendente virtual...menu de opções...espera...música de fundo..atendente 1...averiguação de dados...atendente 2...

-Cacanael, bom dia!
-Meu amigo, diga logo se o mundo vai se acabar ou não, porque já faz é tempo que eu tô esperando aqui e nada. Tô quase morrendo primeiro.
- Um momento, senhor. Vou ler, processar e conferir todos os dados passados pelo atendente anterior...Só mais um minuto...Mais um minutinho, por favor...Só mais alguns minutos para atualização do sistema... Aguarde mais alguns segundos , por favor...

(Telefone Mudo)

Música de fundo:
"E agora ouvi você dizer: acabou ô ô ô ô, acabou...acabou ô ô ô ô, acabouôoo..."

-Senhor?!
-Diga!
-O seu mundo realmente  preenche todos os requisitos para ser exterminado e constatamos na visita técnica que ele já se acabou.
-Acabou como, criatura, se eu tô vivinho da Silva aqui?!
-Senhor, todo o resto do mundo já acabou menos o país Brasil...o Senhor não viu na televisão, não?
- A TV daqui também tá quebrada, seu anjo!...Agora danooussee!... E a gente aqui vai ficar no prejuízo, é?!
-Desculpe, senhor, mas foi verificado um problema de cobertura do sinal e constatamos que a sua área não oferece ainda condições necessárias para o recebimento desse serviço...Tenha um bom dia!

A cobrança da taxa de visita improdutiva chegou pelos Correios...

-Danillo Melo-
 29/12/2012









quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Eu sou um relógio


Eu sou um relógio. Vivo me debruçando sobre o meu próprio tempo. O tempo não conta ou mede a si mesmo. Ele sequer existe. O tempo somos nós. Somos ampulhetas ambulantes. Relógios andantes. Sujeitos a todo tipo de mau e bom desempenhos, como as máquinas. As vezes falta-nos pilha. As vezes gostaríamos de ser mais tempo. As vezes gostaríamos de adiantar nossos ponteiros e pular para a próxima etapa. Mas somos escravos do nosso próprio tempo. Somos auto-escravos. É ele que delineia a medida da nossa existência. É nele que encontramos e desencontramos os amores. Que prolongamos ou encurtamos a vida. Somos tempo de acordar, de "tomar o café da manhã", de fazer exercícios. Somos tempo de estudar e de trabalhar e de fazer nada. Somos tempo de amar e sermos amados, de não amar e sermos desprezados. Somos o cúmulo da contradição do tempo. Somos tempos que se atrasam. Somos tempos que não tem tempo. Reclamamos do relógio que trazemos no pulso, nos aparelhos eletrônicos ou que penduramos na parede. Mas esses são todos extensões de nós. São a representação do que somos. Somos nós os relógios que estão sempre atrasados. Nós, que somos o tempo, mas que não temos o tempo, somos senhores e escravos ao mesmo tempo. Por isso somos tão contraditórios, porque é próprio do tempo conter, em si mesmo, infinitos fatos, experiências e pessoas. O tempo não tem limites, não tem medida. As horas, os minutos e os segundos são linhas com as quais demarcamos, separamos e catalogamos a nós mesmos, a fim de nos controlarmos. Mas somos, muitas vezes, e durante muito tempo, tempos perdidos. Somos tempos sem tempo pra nada. Somos tempos que voam. Somos tempos ruins e tempos bons. Somos tempos fechados e abertos. Tempo que falta e tempo que sobra.Tempo que escreve e tempo que não apaga. Tempos livres. Tempos antigos e tempos modernos. Somos tempo parado. Tempos que mudam e que não voltam. Tempos que jamais serão os mesmos. Nós somos tempo que passa, que não morre, mas que acaba. E quando acaba, se torna como um relógio que deixou de marcar as horas.... Faz muito, muito tempo que somos tempo! E o que fizemos de nós mesmos?...

-Danillo Melo-
 20/12/2012

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A palestra não produz nada prático

Parecia um velório. E velório é um gênero chato, triste e sombrio. É algo do qual você não quer participar, mas deve. A mesa, no centro da pequena elevação que poderíamos chamar de palco, era o caixão. O morto era o assunto. Ou estava morto ou estava sendo tratado como tal, pois não há velório sem defunto. O doutor, respeitado pelos outros acadêmicos com quem dividia o ofício era quem pronunciava o discurso, ou seja, aquele que falava sobre o morto. O mediador da mesa, aquele que conduzia o "debate", parecia o coveiro e cansado de ver tanto morto, tantas vezes, sentou ao lado do caixão e ouvia. Nós, os alunos, éramos os amigos do morto, tristes e incomodados, com razão, por ficar olhando o defunto, mas cônscios de nosso dever. A palestra começou. O professor que discorria sobre o tema iniciou dizendo: " eu irei refletir brevemente sobre..." e "para evitar coloquialismos, eu escrevi o que gostaria de dizer..."... Instintivamente e discretamente, todos olhavam para as suas mãos. Ele segurava seis ou sete folhas. O professor começou a leitura. Todos estavam sérios e compenetrados. Parecíamos realmente interessados, mas sabe-se que os defuntos são todos iguais, pois os homens, quando morrem, alcançam igualdade. No começo, o assunto tratado parecia distante do tema do debate, mas com dedicado esforço notava-se a ligação entre eles. Mas o problema eram as folhas. Cada vez que o orador terminava uma folha, ele empurrava a mesma um pouco mais para a frente e levantava a próxima, continuando a leitura, quase sem respirar. Por volta da terceira folha, a atenção inicial, se realmente existiu, em algum momento, foi se desfazendo, lentamente. Alguns viam algo mais interessante no celular, outros cochichavam coisas engraçadas e tinha aqueles que não faziam nada...pareciam estátuas, como se estivessem sem vida também. Eu, naquele momento, escrevia o título da crônica e sorria. O mediador colocava o polegar embaixo do queixo e o indicador na face, segurando a cabeça cujo rosto trazia uma expressão sofrida. O orador não respirava. Os goles de água eram tão rápidos que quase eram imperceptíveis. Discursava com eloquência e até certa empolgação. Parecia entender muito bem o que dizia, diferente da maioria de nós, creio eu. Na penúltima folha, uma torcida silenciosa gritava. Gritava com os olhos, com uma paciência engraçada, totalmente disfarçada. O professor dizia: " eu quero dizer com isso que...". Ah...uma explicação! Era o prelúdio do fim. As palavras consoladoras foram: " termino dizendo que...". Aí todos se ajeitaram e começaram a olhar os relógios...até que ele propôs três perguntas para iniciar o debate e finalizou. Estava consumado. Palmas, palmas!!!O professor estava suado e nós, felizes. O mediador da mesa agradeceu ao professor pelas palavras e iniciou o debate dizendo que nós poderíamos fazer perguntas. Não havia mais tempo. Tínhamos outras aulas para assistir. Dezenas de pessoas começaram a levantar. O professor que mediava a mesa pegou o microfone e falou que não precisávamos correr com medo de fazer perguntas. Alguns lhe disseram, de longe, que tínhamos outros deveres e ele fez que sim com a cabeça. Foi aí que a coisa ficou pior. Olhei ao redor e parecia que todos estavam de pé, dirigindo-se à saída do auditório. Fui um deles. Levantei-me, envergonhado e sorridente. Acho que nunca vi nada tão triste e tão engraçado ao mesmo tempo. Nem sabia qual das duas emoções deveria ganhar mais da minha atenção. Subi os degraus e me encaminhei para a saída. Olhei para trás diversas vezes e vi a cara triste dos dois professores ao redor da mesa. Queria ficar e ver o que aconteceria, mas faltava-me coragem e cara de pau. Todos devem ter ido embora, deixando ali, tristes, ao lado do caixão, a namorar o defunto, o discursante e o coveiro. Ninguém quis ver o enterro. Era triste demais. Fiquei triste por eles. Mas fiquei feliz quando lembrei do professor de teoria da literatura. Alguns dias atrás, ele havia nos dito que a arte não produzia nada prático. Aquilo mexeu comigo. Fiquei intrigado. Não quis concordar. Pensei em todos os argumentos que ele havia usado, tentando descobrir por que ele estaria certo ou errado. Aí veio a palestra. E em defesa da arte e do meu ego machucado, percebi que é a palestra que não produz nada prático. Foi como dar um soco nele, só por ter insultado a arte daquele jeito. A palestra fez eu sentir-me vingado. Para quem acha um exagero dizer que a palestra não produz nada prático, eu pergunto, então, o que será dizer que a arte não produz nada prático? A palestra até produz algo prático...Saí de lá sem entender nada, mas com uma crônica praticamente pronta...

-Danillo Melo-
 07/12/2012