sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A palestra não produz nada prático

Parecia um velório. E velório é um gênero chato, triste e sombrio. É algo do qual você não quer participar, mas deve. A mesa, no centro da pequena elevação que poderíamos chamar de palco, era o caixão. O morto era o assunto. Ou estava morto ou estava sendo tratado como tal, pois não há velório sem defunto. O doutor, respeitado pelos outros acadêmicos com quem dividia o ofício era quem pronunciava o discurso, ou seja, aquele que falava sobre o morto. O mediador da mesa, aquele que conduzia o "debate", parecia o coveiro e cansado de ver tanto morto, tantas vezes, sentou ao lado do caixão e ouvia. Nós, os alunos, éramos os amigos do morto, tristes e incomodados, com razão, por ficar olhando o defunto, mas cônscios de nosso dever. A palestra começou. O professor que discorria sobre o tema iniciou dizendo: " eu irei refletir brevemente sobre..." e "para evitar coloquialismos, eu escrevi o que gostaria de dizer..."... Instintivamente e discretamente, todos olhavam para as suas mãos. Ele segurava seis ou sete folhas. O professor começou a leitura. Todos estavam sérios e compenetrados. Parecíamos realmente interessados, mas sabe-se que os defuntos são todos iguais, pois os homens, quando morrem, alcançam igualdade. No começo, o assunto tratado parecia distante do tema do debate, mas com dedicado esforço notava-se a ligação entre eles. Mas o problema eram as folhas. Cada vez que o orador terminava uma folha, ele empurrava a mesma um pouco mais para a frente e levantava a próxima, continuando a leitura, quase sem respirar. Por volta da terceira folha, a atenção inicial, se realmente existiu, em algum momento, foi se desfazendo, lentamente. Alguns viam algo mais interessante no celular, outros cochichavam coisas engraçadas e tinha aqueles que não faziam nada...pareciam estátuas, como se estivessem sem vida também. Eu, naquele momento, escrevia o título da crônica e sorria. O mediador colocava o polegar embaixo do queixo e o indicador na face, segurando a cabeça cujo rosto trazia uma expressão sofrida. O orador não respirava. Os goles de água eram tão rápidos que quase eram imperceptíveis. Discursava com eloquência e até certa empolgação. Parecia entender muito bem o que dizia, diferente da maioria de nós, creio eu. Na penúltima folha, uma torcida silenciosa gritava. Gritava com os olhos, com uma paciência engraçada, totalmente disfarçada. O professor dizia: " eu quero dizer com isso que...". Ah...uma explicação! Era o prelúdio do fim. As palavras consoladoras foram: " termino dizendo que...". Aí todos se ajeitaram e começaram a olhar os relógios...até que ele propôs três perguntas para iniciar o debate e finalizou. Estava consumado. Palmas, palmas!!!O professor estava suado e nós, felizes. O mediador da mesa agradeceu ao professor pelas palavras e iniciou o debate dizendo que nós poderíamos fazer perguntas. Não havia mais tempo. Tínhamos outras aulas para assistir. Dezenas de pessoas começaram a levantar. O professor que mediava a mesa pegou o microfone e falou que não precisávamos correr com medo de fazer perguntas. Alguns lhe disseram, de longe, que tínhamos outros deveres e ele fez que sim com a cabeça. Foi aí que a coisa ficou pior. Olhei ao redor e parecia que todos estavam de pé, dirigindo-se à saída do auditório. Fui um deles. Levantei-me, envergonhado e sorridente. Acho que nunca vi nada tão triste e tão engraçado ao mesmo tempo. Nem sabia qual das duas emoções deveria ganhar mais da minha atenção. Subi os degraus e me encaminhei para a saída. Olhei para trás diversas vezes e vi a cara triste dos dois professores ao redor da mesa. Queria ficar e ver o que aconteceria, mas faltava-me coragem e cara de pau. Todos devem ter ido embora, deixando ali, tristes, ao lado do caixão, a namorar o defunto, o discursante e o coveiro. Ninguém quis ver o enterro. Era triste demais. Fiquei triste por eles. Mas fiquei feliz quando lembrei do professor de teoria da literatura. Alguns dias atrás, ele havia nos dito que a arte não produzia nada prático. Aquilo mexeu comigo. Fiquei intrigado. Não quis concordar. Pensei em todos os argumentos que ele havia usado, tentando descobrir por que ele estaria certo ou errado. Aí veio a palestra. E em defesa da arte e do meu ego machucado, percebi que é a palestra que não produz nada prático. Foi como dar um soco nele, só por ter insultado a arte daquele jeito. A palestra fez eu sentir-me vingado. Para quem acha um exagero dizer que a palestra não produz nada prático, eu pergunto, então, o que será dizer que a arte não produz nada prático? A palestra até produz algo prático...Saí de lá sem entender nada, mas com uma crônica praticamente pronta...

-Danillo Melo-
 07/12/2012

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