quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Em cima do muro

Rua humilde. Casas humildes. Silêncio. Um ou dois moradores, ao longe, indiferentes a quase tudo. Ele e os garotos trajavam roupas simples, do tipo " as primeiras que encontrei no guarda-roupas". Os garotos tinham entre 8 e 10 anos. Ele, mais de 20. Era negro. Pequeno. Cabelo desarrumado. Parecia um adolescente. Tinham uma escada. Era uma escada de madeira, comprida, daquelas feitas em casa mesmo. Ele olhou para um lado e para o outro, desconfiado. Tirou as sandálias, levantou a escada e a encostou no muro. Era um muro recém-erguido. Cheirava ainda a cimento. Sentou-se no muro e olhou ao redor, mais desconfiado que antes. Os garotos assistiam tudo. Do outro lado era assim: um quintal e três casas. A primeira delas, ficava do lado direito do portão. Tinha um outro muro recém-erguido perpendicularmente ao principal. As outras casas ficavam mais longe, para dentro da propriedade. Aparentemente, não havia ninguém em nehuma delas. "Nem pessoas, nem cachorro", pensara ele. Agora vinha a parte mais difícil: passar a escada pro outro lado. Começou a puxar, com um razoável esforço, a escada para si. Era uma manobra perigosa e difícil. Fazia barulho. Chamava a atenção. Sentiu medo e vergonha. Olhava para todos lados, assustado. Para as pessoas que o viam, ao longe, fazia cara de abestalhado. A escada raspou no muro, na telha e no corpo. Fazia barulho. Conseguiu colocar a escada do outro lado, dentro do quintal, encostada no muro. Começou a mexer com certa ansiedade na posição da escada. Estava incomodado. A escada caiu. Na rua, assistindo tudo, estavam os dois garotos que o acompanhavam e mais uns três ou quatro de menor idade que tinham se aproximado. 

" Ei, fera, pega a bola aí em cima..." - disse um deles.

"Bola?!..Num tem bola nenhuma aqui em cima, não" - respondeu, olhando para o telhado da casa.

Quando se voltava para continuar a luta com a escada foi pego no flagra. Ficou amedrontado.

"Ei! Num suba aí, nao! Desça daí, vá!"

Um vasculhante se abrira. Era uma mulher. Ele ficou em cima do muro. Não sabia se mentia ou se contava a verdade, porque a verdade com certeza pareceria mentira e talvez a mentira se sairía melhor como verdade. Não mentiu.

"Ô, moça desculpe, viu?! É que eu sou vizinho da esposa do André e vim entregar a escada que ele tinha emprestado...Aí cheguei aqui e num tinha ninguém....e essa escada é muito pesada pra voltar com ela...aí eu pensei em colocar ela aqui dentro, entendeu?!"

Ela fez que sim com a cabeça.

" A senhora avisa pra ele quando ele chegar? Tá aqui no cantinho, viu?! Desculpe..."

Aí ele desce do muro, desconcertado e de fininho, arranhado e envergonhado... com cara de mais abestalhado que antes. Porque ficar em cima do muro não é legal. Muito menos no muro alheio...


-Danillo Melo-
 16/01/2012


Nenhum comentário:

Postar um comentário