quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Caritó


Quando completei 8 anos minha mãe começou a varrer meus pés. Era obvio, eu
estava virando mocinha e o futuro era inevitável: crescer, casar e sair de casa. Eu ainda
brincava de boneca e minha mãe já pensava nisto tudo. Filha, você jura que nunca vai
me abandonar? Juro mamãe. Jura por Deus? Juro por Deus. Nem sabia direito quem
era esse tal de Deus, o que ele fazia, onde ele morava e porque as pessoas tinham que
jurar por ele sempre que algo era importante.
O ritual era diário. Varria a sala e dizia pra eu juntar os pés que ela ia varrer para tirar a
poeira. Hoje eu sei que o ritual de varrer os pés tinha outro significado. O varrer os pés
era sinal de mau agouro para moças que sonhavam em casar.
Certo dia decidi que não queria mais juntar meus pés. Ela enlouqueceu. Sua loucura
aparente me despertou para a vida. Eu já estava com 13 anos. Dei o primeiro beijo.
O primeiro de muitos. Nunca mais meus pés foram varridos. Minha mãe sim, ficou
louca varrida tentando varrer os pés das crianças da rua. E eu, ah fui varrer o mundo
com a vassoura do corpo. Esguia, reta como piaçava chamei a atenção dos faxineiros e
diaristas dos metros.

-Susana Morais-
03/01/2013

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