quarta-feira, 20 de março de 2013

"É tiro e queda"

Abri a porta da sala.Tudo estava normal, exceto pela minha mãe e minha irmã, quase grudadas na porta, me esperando. Estranhei os olhares acusadores e as testas enrugadas. Pensei que a coisa ia ficar feia. E ficou. Colocaram as mãos pra trás e falaram baixo, quase sussurrando. Contaram que sabiam que eu estava fazendo "isso" e "aquilo" no meio da rua, que nem adiantava tentar mentir. Fui interrogado, acusado e sentenciado. Pensei que estava perdido. Morri de medo. Eu ia dar continuidade ao meu desespero quando elas olharam pra mim com um sorriso no rosto e perguntaram, quase em uníssono: "Passou, meu filho?"..."Passou o quê?", retruquei sem entender. " O soluço...", responderam elas...
Minha mãe sempre diz que "bom pra soluço é tomar susto" (o soluço deve ter gostado). "É tiro e queda". Quando fiquei mais velho, por algum motivo desconhecido para mim, a instrução e a técnica para esse problema mudaram: "Pegue um copo, coloque dois dedinhos d´água, fique de costas pra janela, beba um gole e jogue o resto pra trás... 'é mermo que queijo' " diz ela. E sempre funcionou. Essas coisas sempre funcionam. O leitor vai dizer que é psicológico. E talvez seja, mas elas sempre funcionam. Também tem a técnica da linha: Pegue um pedaço de linha de um tecido qualquer, faça um pequeno caracol com ela, ponha um pouco de saliva e cole no centro da testa que o soluço passa... A vida moderna não conseguiu deixar tudo pra trás. Tem coisas que atravessam o tempo. Existem ditados, costumes e superstições que estão arraigados no consciente e no inconsciente do nosso povo, que são traços distintivos da nossa cultura, da nossa identidade... Assobiar de noite chama cobra. Criança que brinca com fogo, mija na cama. Desgraça é nome feio. Não se fala dentro de casa pra não chamar coisa ruim. Se a coruja passar "cortando" é porque alguém vai morrer. Quem pega no pé do morto não sonha com ele. Ninguém, nem mesmo os que não são supersticiosos, deixa a sandália virada de cabeça pra baixo. É só pra garantir que a mãe estará bem. "Boa Ave-Maria faz, sua casa está em paz" (ainda estou tentando entender essa!). Tá com um "galo" na cabeça? Pegue a peixeira e pressione a parte lateral dela sobre o "galo" que ele desaparece. Falar maldade não pode, senão "os anjos maus dizem amém". E vamos deixar de conversar "miolo de pote", porque " tudo de mais é muito e tudo de muito é veneno". O que é interessante é que não há recurso científico capaz de arrancar tais "verdades", instaladas, há tanto tempo, nas mentes de tantos homens e mulheres... Quando for dormir, não faça como eu, não entrelace as mãos como um defunto, senão terá pesadelos. Ao varrer a casa, o faça na direção da porta, colocando as coisas ruins para fora. Se você, querido leitor, não atende quando chamam seu nome é porque você está fazendo "ouvido de mercador". Se você não consegue se concentrar e ler está crônica, deve estar pensando na "morte da bezerra". Perdeu "o fio da meada"? Peça a São Longuinho para o achar e por favor, prometa a ele que dará três pulinhos quando o tiver encontrado... Minha mãe sempre dizia que os espinhos do mandacaru deixam a pessoa aleijada. Temos um no jardim, perto do muro. Estava pintando a casa, no final do ano passado, quando bati, com força, alguns dos meus dedos nos espinhos. Doeu muito. Eles ficaram inchados. Me preparei para perder os movimentos dos dedos. Fiquei preocupado. Não sabia que cria tanto naquilo. Meus dedos estão bem. Ainda tenho o privilégio de usá-los para escrever... Minha mãe é categórica em tudo o que faz e diz. Ela é "pau pra comer sabão e pau pra saber que sabão não se come". Melhor acreditar nela. Só porque ela errou no caso dos espinhos não significa que irá errar em todas as outras coisas, não é?! ... Há muito dias atrás, na faculdade, aprendi mais uma técnica para passar o soluço. "Você pega a pessoa distraída e mete a colher de pau na cabeça dela! É tiro e queda". Meu amigo, Thiago, me ensinou uma técnica que talvez minha mãe não saiba. A lista é infindável. Se o leitor nunca ouviu nenhuma dessas, converse com alguém mais velho por poucos minutos e aprenderá mais disso. Se leu esta crônica sem pular nenhum parágrafo, atento a cada pormenor de tudo o que foi citado, terá um campo vasto de coisas a serem apreciadas, questionadas e estudadas...pode confiar, "é tiro e queda".

-Danillo Melo-
 20/03/2013