sábado, 23 de junho de 2012

Bons momentos

Veja bem, quando eu era adolescente minha mãe morava no Janga, (bairro do município de Paulista, litoral norte do estado de Pernambuco). Eu morava com meu pai e passava as férias do meio do ano no Janga. O apartamento da minha mãe ficava aproximadamente dois quilômetros da praia e toda tarde eu caminhava pra me banhar no mar. Eu tinha treze anos, um violão e uma imaginação fecunda. Na praia eu conheci um senhor que tinha por volta de oitenta e três anos, mas em perfeita condição física e mental. Ele era pescador de siri. Me contava que seu avô fora escravo em mil oitocentos e lá vai o trem... Dizia, também, que foi menino de recado de lampião, na passagem do bando em Monteiro e que participou de três revoluções. O nome dele era Lauro, Seu Lauro. Havia uma magia nas suas estórias, uma sutileza nos detalhes de impressionar.Enquanto me contava, bebia uma cana que fazia com raízes de umbuzeiro e fumava um cigarro parecido com maconha, daí vem o segredo da pesca, Lauro dizia que o cheiro atraia os bichos. E isso é verdade! Eu registrei tudo na mente, eu não tinha gravador. Mp3, talvez nem existisse e acho que foi bom não ter registrado com esses aparelhos. Porque quando se grava , o sujeito se empolga mais com possibilidade de reviver o acontecimento futuramente, do que vivê-lo na íntegra. E há um sentimento especial no agora. Quem nunca fez uma palestra, ou mesmo um show, peça de teatro... E ao término do evento, pensou: “Porra, hoje foi lindo... bom demais!” E acontecer de um camarada está na primeira fileira das poltronas com uma máquina digital filmando tudo em HD? No dia seguinte você abre o site de relacionamento e encontra o link do youtube, (com seu vídeo) você assiste e quase morre enquanto observa o vídeo. Aí nota: defeito na gesticulação, na afinação vocal, erro que passou despercebido e por aí vai... Quem vai a espetáculo para registrar o evento (com máquina digital) é como ir pro cinema e ficar assistindo tela-quente pela TV do celular “shingling”. Eu fico pensando, se eu houvesse gravado as estórias de Seu Lauro; depois, talvez, quando fosse assistir eu não acreditasse na sua confabulação titubeante, quiçá eu encontrasse algumas contradições no itinerário da prosa, de repente ele nem tivesse oitenta e poucos anos. Não quis fazer contas pra ver se o enredo batia, não averiguei nada, fiquei com medo que fosse mentira. Seu Lauro existiu e seus contos eram verdadeiros. Não o transformei em megabytes. Eu me recordo de bons melhores momentos, que todo dia eu reinvento, fazendo coautoria com as crônicas da minha memória.

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